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Era uma vez, E depois disso, talvez...

A arte de fazer uma princesa dormir
Baseado no livro da Bela Adormecida



- Aurora, por todos os reis que este lugar já teve, você pode, por favor, voltar para a cama e ir dormir? 
Ninguém poderia dizer que pensamentos obscuros passaram pelos olhos da rainha naquele momento. Ela trincou os dentes numa birra sem fim que beirava a idiotice. Cruzou os braços no peito e recostou na cama de dorsel.
O rei pressentindo que aquilo não iria levar a lugar nenhum, e sem querer ceder tanto aos charmes de sua esposa, sentou-se também e soltou o ar devagar, tentando ficar calmo. 
- Querida, eu estou cansado. Será que você não tinha como me explicar essa história toda de criança e lei e sei lá mais o que, amanhã? 
Ele a olhou em súplica, e depois de piscar algumas vezes de volta, a rainha suavizou a feição birrenta e descruzou os braços. 
- Mas meu rei, eu não estou com um pingo de sono. 
O fato de sua esposa ter passado tanto tempo de sua vida dormindo fez com que todo o tempo em que estava acordada, ela fosse sempre elétrica e abusiva de seu corpo. Ele suspeitava que Aurora não dormia pois tinha medo de não mais acordar novamente, e ale até compreendia, mas não tinha ficado trancafiado em um castelo adormecido por 100 anos. Depois que se casara com ela não conseguiu ter nem 5 horas corridas de sono durante uma noite quando estava no castelo. Ela sempre queria conversar e conversar e conversar...
- Porque você não pega um livro para ler? – Ele perguntou alisando de leve sua mão pálida. 
- Eu já li todos. – Respondeu a rainha baixinho. 
- Você já leu todos os livros da biblioteca imensa que temos aqui?  - O rei franziu a testa para ela. 
- Não todos, mas os únicos que chamavam minha atenção. 
Aurora desviou o olhar, e o rei já sabia do que ela se referia. Romances. 
A vida dela era viver enfurnada na biblioteca e se acabar de ler a maior quantidade de romances possíveis. Era bem provável que ela já tivesse lido todos. A maioria dos livros ali eram sobre política, e ela odiava! 
O Rei colocou a cabeça da esposa em seu ombro e suspirou lentamente. Ficou alisando seus cabelos longos e loiros por bastante tempo. Solfejou uma canção que ela própria tinha costume de cantar quando estava cuidando das flores no jardim. Até que se sentiu cansado e sonolento. O sono veio rápido demais, mas se Aurora tinha dormindo ou não, ele não sabia. Pelo menos ela não voltara a acorda-lo naquela noite.


- Aurora fez o que? 
O Rei estava nitidamente prestes a explodir a julgar pela vermelhidão de seu rosto. Quebrou a pena que segurava com uma rapidez incrível e seu fiel servo deu um pulo curto para trás por medo da ira dele. 
- Ela... é como te disse, majestade. – O homem baixo e gorducho à sua frente começou a falar rapidamente, como se quisesse se livrar da culpa. – Ela invadiu a última reunião do conselho, enquanto o senhor estava visitando as províncias, e lançou uma lei que impedia os pais de colocarem as crianças na cama cedo. Na verdade, a lei diz claramente que eles não podem colocar os filhos para dormir e devem deixar com que eles comam a quantidade de coisas doces que quiserem. 
O rei levantou tão rápido que a cadeira caiu no chão. Se apoiou na janela fechando os olhos com força pedindo a Deus que aquilo fosse uma um pesadelo, mas quando abriu o servo ainda estava em suas costas com uma feição aflita. 
- E como inferno ela convenceu o conselho a aprovar um absurdo desses? 
- Bom senhor, sabe bem que a rainha pode ser bem convincente quando quer. 
Com isso ele queria dizer que provavelmente a rainha tagarela devia ter perseguido o conselho por dias e subornado a quase todos com o voto de silêncio de sua parte se eles concordassem com ela. Ele bem sabia como às vezes Aurora poderia ser chata quando estava falando. 
- Sim, eu sei o quanto ela pode ser... Eficiente. – Ele pigarreou tentando disfarçar o desconforto. - Mas porque você só deixou para me avisar hoje? Eu poderia ter contornado isso antes. 
- Não tem nem dois dias que o senhor voltou. Eu não queria estragar esses dias. O senhor voltou tão feliz e afinal de contas é sua esposa. 
Marcus tinha razão. Era sua esposa e ele quem tinha responsabilidade sobre as loucuras de Aurora, e não seus servos. Soltou o ar de modo lento e destemido. Tinha que fazer alguma coisa para reverter isso. 
- E como as pessoas estão se comportando? – Perguntou com medo o rei. 
- Esse é outro problema. Os pais de crianças estão trabalhando como zumbis. Os pequenos se encharcam de doces e besteiras açucaradas durante o dia e a noite não dormem. O filho do ferreiro colocou fogo sem querer na casa deles antes de ontem porque o pai descuidou e dormiu. A esposa de um dos seus cavaleiros não quis cumprir a ordem da rainha e bateu na filha até ela ir para a cama, acontece que a garota veio aqui no palácio fazer queixa da própria mãe no outro dia, e infelizmente ela foi presa. 
O rei estava descaradamente de boca aberta ouvindo os acontecidos com total descrença. Aurora mandou prender uma mãe porque ela colocou o filho na cama? Isso era um absurdo. 
- Chega!  Quero que você vá procurar minha esposa nesse exato momento e a diga que estou esperando aqui e agora, não quero saber se ela esta colhendo flores ou tricotando, quero ela aqui agora! 
Marcus olhou para os pés e respirando fundo falou:
- Eu acho que sei de algo que pode fazer a rainha mudar de ideia sem precisar que o senhor a convença, majestade. 
O rei levantou os olhos com curiosidade e abriu um sorriso descrente. Aurora era praticamente a pessoa mais difícil do mundo quando se tratava de mudar de ideia. 
- Pois então eu quero ouvir a sua ideia. 


Marcus tinha tido a melhor ideia do mundo!
O Rei havia convencido a esposa de que ela precisava mostrar à população que a lei a qual ela tinha posto em vigor era praticável. Aurora ficou tão assustada por ele ter aceitado a ideia que resolveu que faria qualquer coisa que ele sugerisse. Então quando a noite caiu, o salão de baile do castelo havia sido arrumado de forma a abrigar cento e cinquenta crianças (todas as do reino) mais a esposa e duas criadas. Aurora teria que cuidar de todas as crianças durante a noite inteira, e se ela conseguisse manter a ordem no castelo nesse tempo, então a lei poderia permanecer sem problemas da população questionar. Mas na verdade o que o rei queria era que ela desistisse da ideia infeliz de uma vez por todas. Eles não tinham filhos, não podia provar para ela que essa lei era ridícula a não ser que ela vivesse isso. Aurora não acreditava que criar crianças era tão complicado. 
Inicialmente a esposa tinha ficado animada com a ideia, tinha planejado jogos e brincadeiras para toda a noite. Acontece que quando o rei a deixou no pé da escadaria e suas crianças invadiram o salão, ela começou a tremer involuntariamente. Ele não ficou para ver o que iria acontecer, simplesmente montou em seu cavalo e partiu para uma de suas casas de descanso alegando que precisava viajar a trabalho e que no outro dia estaria de volta. 
O rei pegou no sono naquela noite rindo. Sabia que a esposa era durona quando queria alguma coisa, mas nem ela resistiria a cinquenta crianças. 
Quando chegou ao castelo no outro dia, algumas coisas estavam diferentes. Algumas janelas estavam quebradas e algumas cortinas pendiam para o lado de fora. Ele ficou entre estar horrorizado e vingado. Marcus estava na escada e se levantou assim que avistou o cavalo do rei. 
- E ai? – Perguntou o rei descendo do animal. 
- Sucesso total! – Respondeu o servo rindo.  – Vossa majestade precisa ver o estado do castelo. 
- E Aurora? – O rei estava sorrindo. 
- Pior do que o castelo. 
              Ele gargalhou alto. 
- E as crianças? – Lembrou dos pequenos “anjinhos” de Aurora. 
- Já foram embora. Algumas com dores de barriga de tanta coisa doce, e outras abusadas e contrariadas de não terem se divertido tanto. 
- Vou ver minha esposa, Marcus. Obrigado por tudo. 
- Não foi nada, majestade! 
O rei tentou evitar que seus olhos varressem por seu palácio para não se contrariar. Então só viu alguns quadros no chão e os jarros antigos e caros de seus pais espedaçados pelo chão dos corredores. A biblioteca parecia o único lugar que não tinha sido afetado pelas crianças, e foi lá que ele encontrou sua esposa meio sentada e meio deitada em uma poltrona. Ele respirou fundo para não rir na frente dela, mas Aurora parecia uma louca. Estava suja, com o vestido rasgado e cabelos desgrenhados. Seus olhos tão vívidos estavam apagados e praticamente fechados. Quando ela o viu nem se deu o esforço de se ajeitar, apenas acenou com uma mão e voltou ao seu estado catatônico. O rei sentou numa poltrona na frente da dela e a avaliou com cuidado. Parecia bem, só cansada. 
- Tudo bem, majestade – Ela disse numa voz arrastada. – Você venceu! Elas são umas pragas e foi simplesmente a pior noite da minha vida! Ainda pior do que ter dormido por 100 anos e com pesadelos terríveis. Eu não desejo isso nem para o meu pior inimigo. Acabe com essa horrível lei. 
O rei gargalhou alto e se ajoelhou beijando as mãos sujas e descuidadas da esposa. Ela lhe sorriu de forma gentil e vencida. Ele a tomou nos braços e a abraçou sentindo cheiro de açúcar queimado e óleo. Era estranho sua esposa que sempre cheirava a flores estar tão concentrada de gordura. 
- Que bom que você desistiu disso! – Ele disse beijando seu rosto. 
- Também acho. – Ela disse pensativa. – Mas o senhor deveria ter ficado para tentar ir se acostumando com crianças correndo e quebrando janelas e vomitando nos gerânios. 
 - Mas porque diabos eu iria querer me acostumar com... 
E foi então que o rei entendeu toda a ansiedade da esposa. Todas as maluquices mais do que normais dela ultimamente. 
- Você está...
- Grávida, sim senhor! – Ela lhe sorriu com serenidade e uma pitada de orgulho. – Você vai ter o seu príncipe ou sua princesa bem em breve. Se bem que nesse momento estou traumatizada o suficiente para enxergar isso como uma vitória.
Ele sentiu a cor de seu rosto ir embora repentinamente, mas a sentiu voltar bem rápido e com mais força do que o normal. Abraçou Aurora pela cintura e passou a mão por sua barriga, ainda escondida, rindo. Aquilo era melhor do que vencer uma guerra e um dragão. Ele ia ser pai e estava simplesmente maravilhado com isso. 
 - Hoje você me fez o homem mais feliz do mundo! – Ele disse lhe dando vários beijos no rosto e no pescoço. 
- E o senhor me fez a mulher mais cansada e esgotada do planeta. – Aurora lhe respondeu. – Acho que vou dormir por alguns dias inteiros. 
Ele riu alto da piada particular dela e a levou no colo para o banho e depois para a cama. 
Realmente Aurora dormiu. Pela primeira vez em muito tempo ele a viu dormir de verdade. Ela dormiu por um dia inteiro e quando acordou só teve vontade de dormir de novo. Ele não poderia estar mais feliz. Iria ser pai, tinha uma esposa sonolenta no seu leito de noite e ainda teve seus súditos querendo beijar seus pés por revogar a lei de Aurora. 
O castelo ainda estava uma bagunça, e ele proibiu qualquer pessoa de arrumá-lo. Isso Aurora teria que fazer, com um pouco de ajuda claro, mas era responsabilidade dela. 
Mas isso era história para outras páginas. 

Carol Teles
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AMEI O CONTO *O*
@ Moda e Eu.

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Prepare-se :) a contagem vai começar! "A arte de ignorar um desvio de comportamento, um costume, uma forma de sobrevivência, um mecanismo de defesa, de resistência, ou conseqüência do egoísmo e do medo. " Sthéfanie Paula Cachoeira rezena

2 comentários:

  1. que linda história, fiquei me imaginando de volta aos tempos de criança!
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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